A merendeira
Por Celio Barcellos
Nesta segunda-feira, 8 de dezembro, dia em que os católicos celebram a padroeira que batiza a cidade de Conceição da Barra, o município se despede de Dona Zeri Paixão da Silva.
Aos 93 anos, ela parte deixando um vazio profundo, repleto de saudades que ecoam em nossos corações.
Dona Zeri era a nossa merendeira na Escola Municipal Benônio Falcão de Gouveia, em Itaúnas.
Ah, pense numa sopa saborosa que brotava de suas mãos habilidosas! Nós nos deliciávamos com cada colherada, como se fosse um abraço em forma de alimento.
As memórias afetivas daquela primeira metade dos anos 1980 permanecem as mais doces e vivas em minha mente.
Sua casa ficava a menos de 50 metros da escola, e muitas vezes ela nos servia direto do quintal, sob o pé de carambola e as rosas entrelaçadas que formavam um arco perfumado.
Isso acontecia especialmente quando o cardápio incluía leite quente ou paçoca. Formávamos uma fila imensa, barulhenta, cheia de gurizada que hoje já tem filhos e netos para compartilhar essas histórias.
Que tempo bom, onde o simples ato de se alimentar virava uma celebração coletiva!
Zeri era esposa do saudoso Olinto Leite da Silva, o fiscal de Itaúnas e farmacêutico prático do vilarejo. Lembro-me vividamente do dia em que ele removeu um anzol cravado em meu dedo.
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| Arquivo da família: Olinto e Zeri |
Aquele homem simples, vindo da roça, pegou a seringa, inseriu o anestésico e, com cuidado paternal, extraiu o intruso.
Que saudades desse povo, meu Deus! Gente que curava não só o corpo, mas também a alma com sua gentileza.
O tamanho respeito que nutro por essas pessoas, tem que ver com a educação que os meus avós - João Pequeno e Valdimira me legaram. Aprendi inclusive a pedir a benção aos mais velhos por intermédio deles.
Desde que o Sr. Olinto nos deixou, há mais de 30 anos, Zeri nunca mais se casou.
Hoje, as coisas mudaram tanto que, em poucos meses, muitos já buscam novos companheiros – mas evito aprofundar nisso para não gerar polêmicas (risos).
O interessante é que, outro dia, enquanto conversava com minha mãe (Dona Adocélia) em casa, revivemos histórias sobre Dona Zeri.
Um episódio curioso, relatado por ela, foi quando o Sr. Olinto saiu às pressas da região do Riacho Doce, onde moravam, e seguiu até o Córrego Grande em busca de uma parteira para o nascimento da primeira filha.
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| Arquivo da família: Olinto e Zeri com o netinho no colo |
A escolhida foi minha bisavó Ana Amélia, mãe de minha avó Valdimira. Segundo o relato, ela ficou no Norte por 30 dias, cuidando de Gerusa desde o parto até os primeiros cuidados.
Naqueles tempos difíceis, o tempo não corria no estresse da modernidade; as pessoas se conheciam de verdade, cultivavam amizades profundas e eram como parentes cuidando um do outro.
Os vizinhos de Zeri e Olinto, como Lourenço e Leozina, Wilisses e Nenzinha, eram mais que próximos – eram família naquele lado setentrional do lugar.
Para quem vive em Itaúnas hoje e desconhece o passado, especialmente o lado solidário daquela gente, havia uma reciprocidade genuína entre os moradores.
| Faixa em homenagem a uma aluna campeã da Benônio Falcão - orgulho da escola |
Lembro-me da falecida Tidú, por exemplo, que atuava como parteira e ajudou no nascimento de tantas vidas.
Será que os vereadores eleitos pela vila têm curiosidade para resgatar um pouco das histórias e homenagear pessoas simples, que passaram por aqui e moldaram nossa existência?
Quem sabe nomear as ruas que ainda faltam identificação com os nomes desses saudosos que se foram e contribuíram com o desenvolvimento do lugar!
Naqueles idos, tudo era feito por amor, com tempo para um bate-papo despretensioso. Hoje, se você liga para alguém, raramente há espaço para uma conversa verdadeira.
Infelizmente, o tempo virou moeda, e o dinheiro asfixia os laços humanos. Ainda assim, eu resisto: Insisto em visitar pessoas e converso ao telefone com prazer.
Olintinho, filho de Dona Zeri, é um desses raros companheiros de prosa. As fotos da Zeri e família contidas neste texto são uma cortesia dele.
Particularmente, planejo lançar um livro de crônicas no próximo ano. Está prontinho, só aguardando recursos para revisão e publicação.
Não poderei contar a história de todos num só volume, mas será uma humilde contribuição à memória de quem cruzou meu caminho.
Voltando a Dona Zeri, eu a via como um pouco brava – deve ser o sangue da família (risos).
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| Arquivo da família: Zeri, Dulce e alguns netos |
Filha do Sr. Belarmino Paixão (o Belo) e Dona Permínia, ela e Olinto tiveram seis filhos: Geruza, Tereza, Elza, Mário Luiz, Olintinho e Dulce – esta última, a professora que me alfabetizou.
Certamente, Dona Zeri deixa saudades, mas também um legado rico, com uma prole de netos e bisnetos. Quando ela se aposentou da merenda e se despediu de nós, o mundo infantil desabou: "Quem fará nossa merenda agora?", pensávamos inocentemente.
Mas o Senhor providenciou Tereza Bonelá, que a substituiu com maestria.
| Por coincidência, quando tirei esta foto, a Tereza Bonelá passava de frente à igreja |
É isso: que permaneçam as boas lembranças de Dona Zeri, a merendeira que nos nutriu não só o corpo, mas o espírito no cotidiano escolar.
Que Deus conforte todos os filhos, netos, bisnetos e familiares neste momento de dor profunda.
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