Saudades da roça

 



Por Célio Barcellos
Quando eu era apenas uma criança, por volta dos 11 anos, costumava empreender sozinho a jornada da vila de Itaúnas até a casa da tia Conceição e do tio Celestino. Um trajeto de cerca de 10 km que, para mim, era uma aventura cheia de mistérios e descobertas. 

Naqueles tempos, a Luíza, a filha caçula deles, ainda morava ali. A tia Conceição era irmã da minha saudosa vovó Valdimira, e essa conexão familiar me enchia o coração de um afeto profundo, como se cada passo me levasse de volta às raízes da minha alma.

Ora eu seguia pela estrada de terra poeirenta, ora cortava caminho pelas terras do Edgard Cabral, margeando um pequeno pântano que exalava um cheiro úmido e selvagem. 

Ah, como eu preferia a estrada! Ao chegar à cancela, adentrava uma mata densa, repleta de jaqueiras carregadas, com um pé de ameixa e outro de jabuticaba que pareciam me esperar. 

Foi ali que provei essas frutas pela primeira vez, me empanturrando de seu suco doce e pegajoso, como se o mundo inteiro se resumisse àquela explosão de sabores. Sinto até hoje o formigamento na boca, uma lembrança que me arranca um suspiro de saudade. 

Parece que estou descendo aquela pequena ladeira agora, sentindo o aroma inebriante das jacas maduras pairando no ar, misturado ao canto dos pássaros. 

Logo adiante, a capoeira se abria, e eu passava pelos fornos de carvão fumegantes, pela casa do Sr. Monteiro, o carvoeiro que trabalhava para o Rives – filho da tia Conceição. Mais alguns passos, e eu chegava ao meu refúgio, onde o coração batia mais forte de expectativa.

O casal me recebia com uma alegria que iluminava seus rostos enrugados pelo tempo e pelo sol. Naquele lugar simples, eu me entregava às travessuras de menino, escalando árvores com o vento dando lufadas em meu rosto, rumando para o brejo onde desamarrava a canoa e remava entre as vitória-régias flutuantes, as árvores de cortiça retorcidas e os ninhos de Japira. 

Observava, extasiado, os Frangos d’água, as Piaçocas, as Garças e tantas outras aves que dançavam no ar, como guardiãs de um paraíso perdido. Sem medo, remava para longe, pescando peixes que depois dividia com os tios ao redor da mesa, em momentos que aqueciam a alma como um abraço eterno. 

O terreiro da tia estava sempre impecavelmente varrido, um símbolo de sua dedicação e simplicidade. A casa de estuque, com a cozinha baixa, tinha à entrada um fogão à lenha do lado direito, onde nos sentávamos à mesa sob a luz tremulante da lamparina, conversando até o cansaço nos vencer. 

Para dormir, a tia estendia uma esteira no chão, e ali, na escuridão acolhedora, eu me rendia aos sonhos, envolto em uma paz que hoje me faz chorar de saudade.

Foram tantas vezes que trilhei esse caminho, geralmente nos fins de semana, para não perder as aulas. Cada viagem era um capítulo de inocência e liberdade que o tempo não pode apagar. 

Certa vez, ao chegar, confidenciei à prima Luíza que a Marta Vasconcelos queria levá-la para morar na vila. Seus olhos brilharam de esperança, como se vislumbrasse um futuro além da roça, e eu me senti parte daquela transição, um laço familiar que me enche de emoção até hoje.

Aquele lugar humilde, transbordando a pureza dos meus tios, era um encanto para o meu coração infantil. Há uma memória que, embora um tanto embaraçosa, reflete a inocência da época: esqueci minha escova de dentes e usei a da tia sem pestanejar. Rsss... Que loucura ingênua! 

O brejo, com sua vastidão misteriosa, era o meu preferido, evocando o personagem de "O Homenzinho dos Patos", que guiava sua revoada com uma canoa, inspirando sonhos de aventuras infinitas.

Em três ocasiões, fui acompanhado, e cada uma guarda um pedaço do meu coração. Na primeira, levei o primo José Claudio Viegas. Partimos pela manhã e voltamos à tarde, num dia de risos e cumplicidade. 

No retorno, margeando o pântano, nos deparamos com o pasto cheio de gado. Percebi o medo no rosto dele e, brincando, gritei: "Corre, Zé, que a vaca vem atrás de nós!" 

Ele passou pela cerca de arame como uma lagartixa, tremendo de pavor, enquanto carregávamos farinha de coco que a Beinha nos dera. 

Caímos na gargalhada, e aquele retorno se tornou uma memória de alegria pura, que ainda me faz sorrir com os olhos úmidos. 

A segunda vez foi com o primo Marquinhos. Seguimos e voltamos no mesmo dia, provavelmente num domingo. Após visitar a tia, fomos à casa do Rives, interagindo com Jailson, Elivelton e Kulau, bebendo garapa até saciar. 

Mas, num descuido, Marquinhos escorregou ao pegar cana, e o facão cortou sua testa. Sangue jorrou como um rio de medo, e a Beinha, com sabedoria da roça, usou pó de café para estancar. 

Voltamos para casa temendo a reação do vovô, mas aquele período com Marquinhos em nossa casa foi um bálsamo para minha solidão, vivendo apenas com os avós. 

Sinto uma gratidão profunda por esses laços que o tempo não desfaz.

A terceira e última foi com a vovó. Chegamos à casa da tia à noite, mas estava fechada – sem celulares ou telefones para avisar, naqueles anos 1980, quando provavelmente só o Tião do Barão na vila tinha um. 

A escuridão da roça nos envolveu, com os sons dos bichos ecoando como um lamento da natureza. Vovó, receosa, pediu abrigo ao Sr. Monteiro, o carvoeiro, que nos recebeu com um sorriso caloroso. 

Seus filhos se alegraram ao me ver, e a esposa preparou um pirão d'água com frango. Eu não gostava, mas comi para aplacar a fome, e conversamos até tarde, antes de dormir. 

No dia seguinte, após o desjejum, agradecemos e partimos, carregando no peito uma lição de hospitalidade que me emociona até as lágrimas. 

À medida que cresci, mudei para Conceição da Barra com minha mãe, e não me lembro de voltar à roça. Mas reencontrava os tios na vila e até quando vinham sacar a aposentadoria. 

Ali, via parentes e conhecidos de Itaúnas e do Sertão, e cada abraço era um eco de saudades. Ah, como o tempo voa, deixando para trás essas memórias que aquecem minha alma, cheias de emoção, nostalgia e um amor profundo que nunca se apaga...

Aproveite a vida, não fofoque de ninguém, perdoe e fale deliberadamente do amor de Deus para as pessoas, pois a vida passa como um sopro e não volta mais. A única esperança é o Reino eterno de Deus. 

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Comentários

  1. Me fez lembrar minha infância que não foi muito diferente! Qua nostalgia gostosa!

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  2. Me fez lembrar minha infância que não foi muito diferente! Qua nostalgia gostosa!

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