As Testemunhas de Jeová e o dilema da transfusão


 
Por Célio Barcellos
Há um julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal acerca do direito das Testemunhas de Jeová se absterem da transfusão de sangue. Do ponto de vista humano e no que se refere ao respeito à vida, você pode até achar estranho e não concordar com a atitude das Testemunhas de Jeová. Todavia, ainda assim é um direito. 

Particularmente, tenho divergências doutrinárias com as Testemunhas de Jeová e no que se refere à transfusão de sangue eu não teria dificuldades em realizar o procedimento, uma vez que a minha compreensão a partir do meu entendimento das Escrituras Sagradas é a de que, o abster-se de sangue tem que ver com o não ingerir, o não se alimentar do mesmo, ao invés de uma transfusão (Levítico 17).

Contudo, mesmo que o meu entendimento (e aqui escrevo com todo o meu respeito aos adeptos do Salão do Reino) seja divergente no que se refere à decisão de um membro desta religião resistir à transfusão, defendo o direito deles optarem pelo não procedimento. 

Talvez você possa achar isso estranho, mas com liberdade religiosa não se brinca. Ela faz parte da dignidade humana. É algo inalienável, totalmente inegociável. 

No que se refere à dignidade humana, a Constituição Federal a tem como um de seus pilares. 

No Art. 1º é descrito da seguinte forma: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. 

Perceba que o inciso III é destinado à "dignidade da pessoa humana" e é um dos fundamentos do "estado democrático de direito". Compreender esse detalhe é indispensável para o bom convívio entre as pessoas e por conseguinte, para o bem da sociedade. 

Se tão somente, os Direitos Humanos não fossem partidarizados por questões políticas como se observa atualmente e houvesse mais reflexões acerca de questões ontológicas do ser humano, haveria melhor compreensão e respeito. 

Um dos quatro tipos de descrições utilizados na retórica é a etoépia. Esse termo propõe a descrição de uma pessoa, de seus hábitos, dos seus costumes, da sua religião, de seus aspectos morais e de tantas outras coisas. 

Certamente, os advogados das Testemunhas de Jeová estão se utilizando das lei do país, dos estatutos da denominação religiosa, das crenças, da liberdade e das descrições retóricas para sustentarem o direito dos membros do Salão do Reino de exercerem a sua fé ao rejeitarem a transfusão de sangue. Ainda que tal decisão, redunde em morte. 


A decisão de uma testemunha de Jeová ou de qualquer pessoa religiosa em defesa do que acredita, só é compreensível para quem separa um tempo para meditar acerca da dimensão humana e suas particularidades. 

Portanto, privar uma pessoa de exercer a sua fé, é ferir a sua alma no mais profundo do seu ser. Quando me refiro a alma, as Testemunhas de Jeová compreendem o sentido, pois, neste ponto doutrinário, convergimos. 

O desafio do Estado e do cidadão é unir esforços para que estudiosos e a ciência desenvolvam outros métodos além da transfusão de sangue, pois as Testemunha de Jeová apesar de pensarem diferente, são seres humanos, cidadãos brasileiros e também do planeta. 

O ocorrido com as Testemunhas de Jeová mostra o que adventistas e judeus sofrem há algum tempo por optarem pela observância do sábado como dia de adoração e demais crenças distintivas. 

Claro, que, o problema não está circunscrito apenas aos grupos citados acima, mas a todos os outros credos religiosos que sofrem em seus dilemas multifacetados! Tenha em mente que ao defender o direito de liberdade religiosa do outro, você está defendendo o seu direito. Isso vale para todos os tipos de liberdade! 

Assim sendo, caso você não compreenda a dimensão da fé de uma pessoa, melhor não entrar nessa seara. O que um adepto do Salão Reino faz é algo que somente ele compreende. Num sentido de equivalência da fé, um religioso que não abre mão dos seus princípios e valores, é semelhante a José e Daniel que não abriram mão do que acreditam mesmo em face da morte. 

Veja a seguir o relato da história de fé de Vibia Perpétua, ocorrido volta do terceiro século d.C, em uma arena romana. 


A canetada de Severo, imperador romano da época, decreta a prisão de muitos cristãos. Milhares de cristãos, à semelhança de animais, foram trancafiados e ficaram sem direito a defesa. Qual é o crime? - A negativa em adorar o imperador e os seus ídolos.

O medo gera uma pressão psicológica e muitos decidem negar a fé em Jesus e se renderem aos caprichos do imperador. 

No entanto, uma jovem mãe, de apenas 22 anos de idade por nome Vibia Perpétua, e que ainda amamentava o seu bebê decide resistir. O detalhe, é que Perpétua ainda nem era batizada. 

À semelhança do que se faz com animais, separaram Perpétua do seu bebê e a trancaram na prisão. Porém, ainda assim, ela manteve uma fé inabalável. 

Concomitante ao contexto em que ela se encontrava, eis que aparece seu pai para convencê-la a mudar de ideia. Perpétua disse não. 

Por ser uma ótima cristã e de comportamento exemplar, o carcereiro facilita as coisas para ela amamentar a criança. Perpétua se despede do bebê e segue para ser executada na arena. 

Não havia naquele momento leões ou touros bravos. A diversão se dava pela espada do carrasco. O grande problema é que o carrasco temeu matar aquela jovem mãe e se recusava a estender a espada contra ela. 

De repente, eis que Perpétua segura a espada e diz: “faça o seu trabalho". Perpétua foi executada, mas a sua fé era inabalável (Christian Marytrs,  tradução de Herbert Musurillo, Oxford University Press, 1972). 

Desse modo, se o estado brasileiro obrigar o cidadão a negar a sua objeção de consciência, corre-se o risco do país se assemelhar aos tempos de obscurantismo dos dias de Perpétua e de tantas outras pessoas que se tornaram mártires ao longo dos séculos por causa de sua fé. 

Respeitar a liberdade religiosa é uma obrigação de todos. Se porventura, por questões éticas você não concorda com as Testemunhas de Jeová ou qualquer outro grupo religioso, isso pode até ser discutível, mas jamais uma decisão sine qua non  (indispensável) para ferir a essência de uma pessoa que acredita naquele seguimento de fé. 

Que o Senhor Jeová abençoe a todos! Viva a liberdade religiosa! 

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Comentários

  1. Concordo com a visão do Pr. Célio Barcelos sobre a questão da liberdade religiosa e da dignidade humana. Embora muitos não concordem com a postura das Testemunhas de Jeová, é essencial defender o direito delas de exercer sua fé.

    A liberdade religiosa é um direito inalienável, mesmo quando as crenças de uma pessoa diferem das normas sociais ou das preferências pessoais de outros.

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