Deomira, a louca

 


Por Célio Barcellos
Ela era uma mulher negra, forte, de cabelos grisalhos e media por volta de 1,77 de altura. Vivia a  perambular nua pelas ruas da pacata Vila de Itaúnas dos anos 1980. 

O seu nome era Deomira. De andar rápido e pisadas fortes, normalmente pressionava os maxilares sem dentes numa mistura de agonia e de fadiga.

Aquelas gengivas impactadas por sua impaciência eram testemunhas de uma comovente frase: “Ai minha mãezinha! Ai minha mãezinha! 

O clamor que brotava de seus lábios talvez fosse lembranças de sua saudosa mamãe nos possíveis lampejos de sobriedade daquela terrível esquizofrenia que lhe assombrava. 

Deomira era natural da antiga Vila de Itaúnas. Um lugar encantador que não conheci, mas que tenho guardado na memória uma vivência quase que atemporal em função das muitas histórias contadas por meus avós e por meus conterrâneos nativos. 

Há mais de seis décadas a antiga Vila foi soterrada e deu lugar a Dunas que chegam a 30 metros de altura. 

Deomira, a personagem principal deste breve relato era dessa linda terra.  Ela era filha do pescador João Madalena e da dona de casa Virgínia. Ela tinha um icônico irmão que se chamava Angelo, apelidado de Anjão. 

Gigante quase à semelhança de um Golias, uma espécie de Ciclope litorâneo de passadas longas. As pessoas medianas, talvez tinham a percepção que eram anãs. 

Deomira se casara com João Batista e juntos tiveram: Valmirzão, pescador na Vila e vendedor de côco verde na cabeceira da ponte próximo à entrada da Trilha do Tamandaré; Pelé, também morador na Vila e perfurador de Poço Artesiano e Duquinha (In memoriam). 

De acordo com relatos, o problema da Deomira se deu em função de resguardo quebrado. A partir de então a sua vida não foi mais a mesma.

Quando a sua situação se agravava ela era conduzida para o Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, na capital, Vitória. 

Havia uma turma que maltratava a Deomira com palavras que a deixavam enfurecida. Era um bullying assustador que atiçava ainda mais a sua loucura. 

Particularmente, eu nunca zombei da sua loucura. Os meus avós não permitiam que eu caçoasse de ninguém. 

A única vez em que tentei caçoar de alguém, foi por ocasião em que falei algo do Sr. Messias, e o seu filho Dário (o melhor goleiro que o Itaúnas Esporte Clube teve) me deu uma tremenda lição com palavras que lacrimejaram os meus olhos. 

Aquilo me causou uma profunda vergonha e desde então e nunca mais ousei brincar daquela forma. Até porque sempre nutri respeito pelos mais velhos. 

Mas, como falávamos acerca da Deomira, certa feita, em um dia de seus ataques esquizofrênicos, eu passei por apuros. Quase morri de tanto medo. 

Eu estava próximo da antiga Mercearia do Côco quando ela simplesmente me olhou de uma forma medonha que estremeci na hora. 

Do nada, ela decide correr em minha direção e eu saio em disparada. À época não existia a residência dos Maia, nem a Padaria do Clebinho. Eu simplesmente atravessei aquela praça gramada em direção à minha casa. A nossa casa ficava entre a residência do Ezequiel Barcellos e do Sr Romancino.

Enquanto eu corria, o meu coração palpitava a ponto de expeli-lo pela boca. O largo espaço entre a Pousado do Magri e casa do Sr Neli Vasconcelos parecia me proporcionar um vácuo que me fez chegar em casa numa tremenda velocidade. 

Eu não me recordo como entrei em casa. Se pela porta ou se saltei a cerca, tamanha era a adrenalina que corria em minhas veias. 

Eu só sei que o cortisol que corria nas veias da Deomira a fez bater com as duas mãos na cerca e à semelhança de um boi selvagem, ela bufava de raiva e estava com os seus olhos pretos esbugalhados cheios de ódio com intuito de me devorar vivo. 

Os meus avós foram até a cerca conversar com a Deomira e eu quase morto de tanto medo. As minhas pernas infantes e delgadas daqueles tenros onze anos, tremiam como varas e os joelhos formavam uma sinfonia com os dentes que rangiam. Que medo gente! Que coisa horrível! 

Da mesma forma que a vida finda para todos, também findou para a Deomira. Em algum momento do final da década de 1980 ou talvez início dos anos 90, ela descansou de uma vida sofrida e até humilhante, pois em sã juízo, jamais faria o que fez. 

Não tenho nenhuma raiva da Deomira por causa desse incidente. Pelo contrário, tenho saudades das pessoas que conviveram comigo e me viram crescer nas ruas de terra e de grama da querida Itaúnas. 

A Deomira é uma delas. Eu nutria comiseração por ela. 

Procure respeitar as pessoas. Até mesmo aquelas portadoras de algum distúrbio. Elas são seres humanos que precisam de um certo cuidado, mas que não pediram para nascer assim. 

Que o Senhor Deus dê força e condições para pessoas que cuidam de familiares à semelhança da Deomira continuem firmes a desempenhar esse serviço tão abnegado que envolve, amor, paciência e compaixão. 

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Comentários

  1. Que recordação legal. Apesar do distúrbio e do tanto que deve ter sofrido dona Deomira.

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  2. Grande Ensinamento, o respeito e a consideração por todas as pessoas, assim como o Cristo nos deu seus exemplos...

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