No anzol ou na tarrafa, a pesca é certa





Por Célio Barcellos
Em meus tempos de menino lá pelas bandas do litoral norte capixaba, eu odiava quando a minha avó me levava para pescar. Com a pindaíva e o embornal a tiracolo e muitas vezes um samburá, lá íamos nós. Como toda criança, eu queria brincar. No entanto, tínhamos o peixe como principal fonte de proteína. Era quase que um ritual pescarmos. A pesca poderia ocorrer durante o dia, ou até mesmo à noite. 

Lembro-me nitidamente quando certa feita, no ano de 1986 a minha avó me tirou da cama para ir à beirada do rio. O céu estava lindo e o cometa Halley era a notícia do momento. Confesso que estava com tanto sono que não vi o cometa. Eu levei uma manta e deitei na areia aos sons de grilos, sapos e tantos outros bichos. Tenho a sensação de estar vivenciando aquele momento. As águas do Itaúnas serpenteando em direção ao mar; a casa do Tamandaré iluminada pela claridade estelar; as dunas; tudo ao meu redor transmitia paz e tranquilidade. Não me importei nem com os riscos dos jararacuçus que eram muito comuns. 
Casa  do sr Tamanda e Dona Nonoca. O único que não migrou para o outro lado rio 
 
Apesar de não gostar de ir pescar com a minha avó, não quer dizer que eu não pescava. Normalmente, durante o dia com os amigos, era algo que fazia parte de nossa rotina. Vivíamos nos brejos e pântanos; nos alagados e igarapés; bem como nas muitas braquiarias em busca das iscas e até mesmo dos próprios pescados. A antiga ponte de madeira, era o point em que nós nativos lançávamos as linhas e pescávamos piaus. O interessante é pescávamos até dois de uma vez, pois as linhas continham dois ou mais anzóis. Era uma época de muita fartura em que utilizávamos dendê como isca. 

Também tínhamos o costume de realizar o pinhé. Esse nome é um tanto estranho, mas era a maneira que chamávamos quando auxiliávamos os pescadores vindos do mar em suas canoas. Ajudávamos a limpar e  dobrar as redes. Esse trabalho nos rendia boas moquecas. O pinhé é realizado ainda nos dias de hoje. Quando estou de férias e me dá vontade, vou até os pescadores realizar esse trabalho, relembrar os meus tempos de menino e de quebra, levo uns peixes para casa. 

Agradeço muito a Deus que tudo isso me ajudou a enfrentar os desafios que surgiram em minha caminhada. De fato, não tínhamos medo e desde muito cedo estávamos em canoas remando nas águas do Itaúnas enfrentando as correntezas e nos embrenhando em brejos para lançarmos boias, redes e tantas armadilhas com o intuito de fisgarmos os peixes. Vivíamos entre cobras e jacarés. Ora no Itaúnas. Ora em seu afluente mais próximo, o Anjelin. 


O perigo era existente. Um dos amigos de infância, por nome Rivelino, filho do sr Didi e da Dona Rosa, teve de amputar um dos braços por causa da picada de um jararacuçu. Mesmo sem um braço, o Rivelino era "o cão chupando manga verde", como dizíamos por lá. Pense num cara que fez muita estripulia. Ele era o trepador de coqueiro oficial e também quem descascava nos dentes quando não tínhamos instrumentos. O Rivelino tinha a capacidade de subir no coqueiro com um só braço, travava as pernas e como uma força descomunal, pedia para sairmos debaixo (ler aqui). 

Havia duas pessoas que sempre me chamavam para algumas atividades que envolviam canoa. Na verdade, três. Jarbinha (In memoriam), Tatu e o sr Romancino (In memoriam). O Jarbinha me chamava para caçar frango d'água. O cara era um exímio atirador. Não perdia um tiro com o pássaro no ar; o Tatu (Jucemar Bonelá é o nome dele) tinha uma pequena tarrafa e juntos saíamos a remar nas águas turvas do rio que nos alimentava. No que se refere ao sr Romancino, eu fazia companhia a ele para buscar taboa para a fabricarão de suas esteiras (leia aqui). 

Pois é… você que lê os meus textos, sempre se depara com algumas histórias que me fazem bem. Espero que as mesmas sejam úteis a você e também te façam refletir ou até mesmo relembrar algo parecido. 

Quero dizer que dos relatos deste texto que envolvem entrar nos brejos e pântanos, quando enfiávamos o braço em locas e braquiarias, atualmente não tenho a coragem de fazer. Se tiver que embarcar numa canoa, lançar uma tarrafa e também pescar de linha, isso ainda faço. Porém, as que envolvem o contato direto com as mãos em ambientes desconhecidos, precisa estar em constante sintonia com a pesca artesanal e com a natureza do lugar; e isso, já tem muito tempo que não pratico. 

Concomitante ao perigo, entendíamos que uma vara de pescar promovia a sobrevivência diária de uma família. A esse ato, poderíamos chamar de pesca no varejo. Com uma tarrafa, rede ou boias, podíamos não só alimentar a família, como também partilharmos com mais pessoas, à semelhança do pinhé ou até mesmo a ação de vendermos no atacado como meio de relação comercial. 

Neste dia das crianças relembrar momentos bons que vivi me traz alegria e gratidão por experienciar uma verdadeira simbiose com a fauna e a flora daquele belo lugar chamado Itaúnas. Aproveito para dizer que continuo pescando. Uma pesa diferente, mas que alimenta para a vida eterna. Realizo a pesca que Cristo ordenou aos discípulos: “venham ser pescadores de homens” (Mateus 4:19). 
Batismo dos irmãos Henrique e Heloisa. A pesca que realizo atualmente. 

Naqueles idos de menino, jamais imaginei realizar o que faço hoje. Porém, no trabalho individual que conduz alguém ao batismo ou até mesmo das grandes colheitas em evangelismo, não tem como não associar a pesca com anzol e a pesca com tarrafa. 

Assim sendo, em meus dias de menino no anzol ou na tarrafa, a pesca era certa. E em meus dias atuais, o Senhor Deus tem me dado a grata satisfação de continuar pescando para colher pequenos e grandes peixes para o Seu Reino. Continuar com Jesus e Sua missão é certeza de fartura e esperança de um lugar muito mais lindo e duradouro do que Itaúnas - o Éden restaurado. 

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Comentários

  1. 👏👏👏 que viagem né? Bom relembrar de momentos assim.

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  2. Depois de ter visitado o sítio de sua infância, ler seus textos saudosistas o colorido fica mais vívido

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