Bolsonaro ou Lula? A disputa entre cristãos está acirrada

 



Por Célio Barcellos
A partir da década de 1990, a ideia de economia global tornou-se uma panaceia evocada como mantra mundial para solução dos problemas. A narrativa liberal vendeu o seu produto com tanta certeza infalível que, no primeiro grande teste, ela passa a ser a principal vilã. De acordo com Harari, “desde a crise financeira de 2008, pessoas em todo o mundo estão cada vez mais desiludidas com a narrativa liberal”. Os anos de 2008 e de 2016, foram determinantes para confrontar o liberalismo. (1)

No que se refere a 2008, tem que ver com a crise imobiliária nos Estados Unidos que levou muita gente à falência. Já 2016 é o ano que tem início o processo da retirada da Grã-Bretanha da União Europeia por meio do Brexit e também da ascensão de Donald Trump. A elite mundial encabeçada pela narrativa social via nesses acontecimentos grande risco para o planeta. 

Nas mãos de quem o mundo estará seguro? Dos que defendem o liberalismo com a força do livre mercado e das garantias individuais, ou dos autocratas, que insistem em controlar tudo e a todos? Será que para defender a democracia é necessário transgredir a lei para proteger o status quo de uma elite à semelhança do que fizeram os senhores feudais e o catolicismo medieval? 

O grande problema é que, a partir dessas polarizações, os cidadãos comuns começaram a neutralizar uns aos outros como se estivessem em um ringue. Cada censura ou vitória retórica são comemorados como nocautes no oponente. A situação tem se agravado tanto que jornalistas sabotam jornalistas quando incentivam censura, prisão e fechamento de veículos de imprensa; clérigos se levantam contra clérigos; irmão contra irmão; amigo contra amigo, ou seja, parece que a Ruanda dos anos 1990, em que tutsis e hutus se mataram, tomou conta do mundo. 


As narrativas ideológicas estão cada vez ganhando status de seitas religiosas a fim de neutralizar cosmovisões rivais. Nesse ínterim, o cristianismo em específico tem sofrido de forma avassaladora as influencias de uma sociedade maniqueísta, do “nós" contra "eles”; do “bem" contra o "mal”,  do “ele não”, da direita contra a esquerda e de tantos outros termos incorporados que, às vezes, nem sequer percebemos. Apesar de existir o bem e o mal, não precisamos incorporar o pensamento de Manes e criar uma sociedade asceta. A Bíblia diz que Deus vencerá o mal. Maldade é questão de natureza pecaminosa, e o remédio não é humano. 

No entanto, os cristãos não necessitam assumir posturas bélicas com o intuito de purificar o mal que somente Deus em Sua onipotência realizará um dia. Claro que o melhor é defender sempre o direito à liberdade para que cristãos e não cristãos que porventura não concordem com os abusos do Estado, tenham o direito de seguir os seus valores sem serem perseguidos. E aqueles que detêm posicionamentos contrários vivam em seus mundos sem a obrigatoriedade do outro fazer o mesmo. 

Não é normal o que está acontecendo. A sanha por vingança tem neutralizado o amor do Cristo nas pessoas e, nessa guerra ideológica, os cristãos, deveriam ser os padioleiros e objetores de consciência para intermediar a paz. É preciso ter posição política responsável e não estar afim de neutralizar o próximo por ele fazer outra escolha. As ideologias nada mais são do que visões de mundo diferentes que acarretam seguidores. 

Há muita gente abandonando a doutrina do Cristo por causa das narrativas ideológicas. Quantos não estudam mais a Bíblia ou separam tempo para a oração? Quantos estão deixando de ir aos cultos por questões de partidos ou debates dos seus candidatos no rádio ou na TV? Particularmente, em função de tanto noticiário sobre o assunto, a minha mente estava um tanto intoxicada. Não discuto publicamente, mas cheguei a embater no pessoal com colegas, e chego a conclusão que não compensa. 

Isso não quer dizer que estou abandonando de conversar sobre o assunto. Até porque, me interesso sobre  política desde o processo da redemocratização quando eu tinha apenas 10 anos de idade. Mesmo não possuindo TV em casa, o rádio era a minha fonte de informação. Me envolvi tão emocionalmente com o movimento das Diretas que, após ouvir a triste notícia da morte de Tancredo Neves, eu desabei em lágrimas. Parecia que alguém próximo a mim havia falecido. O meu interesse foi tamanho que procurei a casa de conhecidos para assistir notícias do ocorrido. 

Por volta de minha adolescência, quando eu já havia migrado de Itaúnas para a Sede do município (Conceição da Barra, ES), filiei-me a um partido político com a finalidade de concorrer a uma cadeira na Câmara Municipal. Eu sonhava em ser prefeito de minha cidade. Nessa ocasião, eu trabalhava na Casa Lotérica, era bem conhecido, e foi um período em que consumi bastante notícias em TV e periódicos. Quanto a concorrer ao cargo, fiz uma análise dos meus tenros 18 anos e nem cheguei a colocar o meu nome à disposição do partido. 

Ao seguir valores cristãos, não é preciso ser alienado quanto a assuntos políticos. No entanto, também não significa que o cristão tem a obrigação de vestir mantos ideológicos. A justiça que todo cristão precisa exercer não procede de interferências ideológicas. O escritor Marcos De Benedicto menciona que “Deus não é político, mas Se interessa pela política, pois é o governador supremo do Universo”. (2)

Concomitante ao pensamento de Benedicto, o teólogo John Stott, escreve o seguinte: “Todos os indivíduos cristãos deveriam ser politicamente ativos no sentido de que, como cidadãos conscientes, eles votem nas eleições, estejam informados sobre questões contemporâneas, participem do debate público[…] Além disso, alguns indivíduos são chamados por Deus para dedicar sua vida ao serviço político, no governo local ou nacional” (3).  Ou seja, o cristão tem os mesmos direitos que um não cristão de exercer uma função política. 

Conforme os ensinos do evangelho, o que o cristão não deve fazer é utilizar de práticas contrárias à Palavra de Deus. Apesar dele exercer a cidadania como morador da Terra, a ética que rege a sua vida é de ordem celestial, pois ele anseia uma pátria superior e, por isso, a sua conduta deve ser levada a sério em todos os setores da sociedade. Especialmente quando for tentado a burlar o que é certo. 

No século XIII ocorreu um triste incidente de extremismo judaico quando o Rabi Salomão ben Abraão, de origem mais ortodoxa, "denunciou as obras de Maimônides à Inquisição dos frades dominicanos como literatura herética”(4). O grande problema é que, 8 anos depois, "em 1242, já não era mais Maimônides mas o próprio Talmud que era condenado à morte. Por ordem do papa Gregório IX, 24 carroças carregadas com centenas de livros foram queimadas em Paris, dano início à sinistra sequência de autos-de-fé intelectuais que se prolongou na Europa até o séc. XVIII”(5). 

Conforme o que vem sendo apresentado no mundo e se avaliarmos dentro da perspectiva profética de Daniel, por exemplo, o melhor que o cristão tem a fazer é se agarrar ainda mais às promessas de Deus e estar atento aos acontecimentos à semelhança dos filhos de Issacar (1Crônicas 12:32-40). Se de fato o cristão acredita no mundo do futuro governado pelo Senhor, não deve permitir que ideologias minem a visão cristã baseada na Palavra. Entrar em discussões a ponto de perder amigos, ferir familiares e até mesmo a possibilidade de tirar a vida de alguém, não pertence ao Reino do Céu, mas ao reino do inferno. 

Enquanto o Reino de Deus não é estabelecido de forma material, o cristão tem o dever de suportar os  caminhos e valados deste mundo. Pelo que ocorreu nos últimos 200 anos anos, do ponto de vista humanista, ainda que imperfeita, a democracia tem se mostrado a melhor opção para os povos. Mesmo que o humanismo seja uma corrente religiosa predominante na Terra, das suas diversas correntes, o liberalismo, ao que parece, entrega mais pontos positivos do que as demais. 


Quando se analisa o pensamento de Harari, de “que o gênero humano não abandonará a narrativa liberal, porque não tem alternativa”, se o cristão focar apenas no humanismo, esta correto. O detalhe é que a Bíblia apresenta uma alternativa melhor e mais segura, mas que requer fé e resiliência, e poucos querem pagar o preço.

A esperança para a humanidade não está em nenhum modelo utópico que favoreça uma parcela privilegiada e escraviza muitos. No início, seres humanos perfeitos jogaram tudo fora por causa de narrativa ideológica. Eles acreditaram na mentira de que seriam melhores do que eram e poderiam competir com Deus (Gênesis 3:4). Infelizmente,  abriram o caminho para o fosso no qual nos encontramos. 

Portanto, se você é Bolsonaro ou Lula, faça a sua escolha, mas não deixe de cumprir suas obrigações. Em função das coisas estarem muito acirradas, o melhor é cumprir a sua parte como cidadão e respeitar o divergente de você. O cristão anseia por uma pátria superior, onde terá plena liberdade de viver, de adorar a Deus e obedecer às leis. 

O cristão não precisa aderir às ideologias humanas dos reis da Terra, pois ele sabe muito bem que em breve o Rei Jesus destruirá os reinos deste mundo (Daniel 2:44,45). Todo cristão ou líder religioso tem a obrigação de orientar o seu rebanho dentro da cosmovisão que a comunidade acredita. No entanto, se dentre o rebanho há disputa entre as ovelhas, o papel do pastor é apaziguar as mesmas para que não desenvolvam a natureza de lobos. 

Assim sendo, se as ideologias estão jogando você contra o seu irmão e transformando você em um crítico contumaz e sem o brilho do evangelho, redirecione os seus pensamentos e trace a rota da cosmovisão bíblico-cristã. Apesar da existência das imperfeições do cristianismo, Cristo é o perfeito caminho a seguir, e não os ringues das ilusões humanas. 

Ah, nunca se esqueça: o Reino de Cristo não é deste mundo. Não seja evangelista de ideologias, mas  apóstolo do novo Éden restaurado. 


REFERÊNCIAS
1. Harari, Yuval Noah, 21 Lições para o Século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 1ed., 2018, p. 23.
2. Benedicto, Marcos de, Política: o que você precisa saber. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2022, p. 37. 
3. Stott, John, O Cristão Em Uma Sociedade Não Cristã. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2019, p. 45
4. Borger, Hans, Um História do Povo Judeu: de Canaã à Espanha. São Paulo: Sêfer. 3ed., 199, p. 400.
5. Ibid., 400. 

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Comentários

  1. Muita Sabedoria nestas reflexões. Respeitarmos uns aos outros e praticarmos os Ensinamentos do Cristo...

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