Tem coisas que o melhor é não saber

 



Por Célio Barcellos
Enquanto eu refletia no estudo da Bíblia acerca da sedução feita pela serpente em Gênesis 3, notei que curiosidade demais não é muito saudável. Tem coisas que o melhor é não saber. 

Para a apresentação do presente texto peço licença ao leitor por meu atrevimento em querer transitar no pensamento escolástico, uma vez que o meu estilo de escrita segue mais na direção da crônica e não em insights técnicos. 

Apesar do meu encanto por esse período tão rico da história, entendo que existe um enorme hiato na minha compreensão de assuntos tão profundos como lógica e metafísica. 


Tal qual existem livros densos e de difíceis compreensões, há livros fantásticos que nos fazem ler como criança. E por falar em criança, Max Lucado em seu livro “Porque Te Amo”, aborda a história do pecado de maneira cativante e numa linguagem que todo ser humano pode entender. 

No que se refere a Gênesis 3, a minha reflexão seguiu no aspecto psicológico da tentação. Imediatamente associei a história com o ponto de vista da lógica aristotélica que estou descobrindo no pensamento de Alfred Tarski. 

Quanto mais eu refletia no texto, mais eu o associava com o texto de Tarski. Os meus pensamentos enxergaram no texto bíblico que Satanás criou uma narrativa repleta de ambiguidade para gerar uma concepção semântica na mente de Eva que eliminasse o axioma divino estabelecido. 

Em seu livro “A Concepção Semântica da Verdade”, Tarski menciona o pensamento de Aristóteles ao citar a frase: “Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro” (Alfred Tarski, A Concepção Semântica da Verdade [Editora Unesp, 2007], p. 160), por isso, quero convidar você a seguir comigo nessa intuição aristotélica ao analisar as frases do texto bíblico: 

- Deus disse: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2:16,17)

- A serpente diz: “Não comereis de toda árvore do jardim?

- Eva dialoga: “Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim… enfatiza Eva: “Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.”

- A serpente diz: “É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3:4,5). 


Diante da interlocução entre a Serpente e a mulher percebe-se a utilização do recurso semântico por parte da serpente em formar uma sentença declarativa utilizando parte da sentença divina com o intuito de invalidar a afirmativa com uma interrogação. 

É o tipo de discurso para vencer o oponente em suas próprias palavras. O detalhe é que a serpente faz acréscimos para confundir a mente da mulher. 

Seguindo o raciocínio de (MORELAND E CRAG,) na "lógica sentencial ou proposicional como nível mais básico” (J.P. Moreland e William Lane Crag, Filosofia e Cosmovisão Cristã [Vida Nova, 2021], p.67), dá para inferir com base no diálogo do réptil com o ser humano que o astuto animal não utilizou de complexidade, apenas intercambiou sentença negativa com o conector “se”. 

A intenção da Serpente ao utilizar o pronome, provocou em Eva a capacidade de tornar-se sujeito importante ao obter o conhecimento do bem e do mal e com isso confrontar o próprio Deus. 

Contudo, ao utilizarmos a concepção semântica de Tarski em seu uso da lógica aristotélica a de que “a mesma expressão que é uma sentença verdadeira em uma linguagem pode ser falsa ou sem significado em outra,” e avaliarmos esse diálogo em Gênesis, veremos que a serpente ao dizer do "que é que não é” e falar “do que não é que é”, está criando uma falsa narrativa.

Tarski define isso como a antinomia do mentiroso. 


Conforme aplicarmos o diálogo da Serpente como antítese ao axioma divino utilizando a lógica de Tarski, notaremos que a sentença da Serpente somente será verdadeira, se a frase divina proferida para o casal edênico não for verdadeira. 

O termo sentença deve ser entendido no contexto usual da gramática como ‘sentença declarativa’, ou seja, pronunciamento final. 

Quando analisamos a segunda parte das intuições da metafísica de Aristóteles proferida por Tarski ao mencionar que, “enquanto que dizer do que é que é, ou do que não que não é, é verdadeiro”, podemos perceber nessa sentença, o desafio de comprovar e provar. 

Se Eva, tivesse tomado a devida atenção, ela perceberia que uma serpente falar, fugia da lógica. E Deus jamais havia Se comunicado com eles daquela maneira. Era um tipo estranho de comunicação. 

Ao invés de fugir em direção ao seu esposo, ela encheu os olhos de curiosidade em saber de algo que não precisava. 

Lembre-se que tem coisas que o melhor é não saber! 

A sentença diabólica da Serpente enfeitiçou a mulher para algo além do Jardim. Quem não se encantaria com a possibilidade de enxergar o desconhecido? Eva mordeu a “isca" e foi fisgada pelo "anzol" do pecado.

À medida em que dialogava, a sagaz Serpente proferiu palavras que foram além da audição da mulher. 

De certa maneira, os "seus olhos se abriram; pois ela adquiriu uma terrível experiência de 'bem e mal' – da felicidade de uma condição santa e da miséria de uma condição pecaminosa” (Robert Jamieson; A. R. Fausset, e David Brown, Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible, [Logos Research Systems, 1977], Vol. 1, p. 19). 

O diabo, disfarçado em uma serpente escondeu de Eva o terrível resultado de sua desobediência através de um recurso semântico que invalidou na mente da mulher a verdade objetiva de Deus. 


Mesmo que algo pareça interessante, nunca se esqueça de que tem coisas que o melhor é não saber. Infelizmente, Eva achou que estava no controle da situação. 

De acordo com Ellen White, se quer passou na mente de Eva "que aquela criatura pudesse ser o inimigo decaído, usando a serpente como médium. Era Satanás quem falava, não a serpente. Eva estava encantada, lisonjeada, envaidecida” (História da Redenção, [CPB, 2021], p.24).

Enquanto Eva estava dopada com a sentença declarativa que parecia favorecer ao diabo, ela não se deu conta da gravidade do problema. 

No entanto, quando nós confrontamos a sentença declarativa, ainda que num recurso semântico humano como o de Tarski ou de outro estudioso, ainda que os mesmos não tenham intenções religiosas, podemos notar que a sentença da Serpente não é verdadeira, pois o “se" de Deus em sua frase semântica propunha morte caso houvesse a desobediência do casal. 

Por outro lado, o “se” da Serpente, propunha ilusão que geraria um fato noticioso não baseado na verdade, mas numa fake news que conduziria o ser humano para a ruína e para a destruição. 


Enquanto a serpente vibrava com a sua aparente vitória e o casal humano fugia com medo e com vergonha; Deus, em Sua infinita misericórdia profere a sentença declarativa que mostra a consequência do pecado e a destruição da Serpente (Gn 3:15). 

Em Seu ato de procurar Adão e Eva para confrontá-los, o Senhor Deus começa a desfazer a narrativa da Serpente ao apontar um substituto para morrer no lugar do ser humano. 

Ao imolar o cordeiro, Adão e Eva viram que a concepção semântica da Serpente estava totalmente errada. E a partir daquele momento, eles tinham a nobre obrigação de passar para os seus descendentes que o Redentor viria e ratificaria com a Sua própria vida aquele ato simbólico no Éden. 

Assim sendo, a curiosidade é importante para aguçar o nosso intelecto com o intuito de criarmos coisas extraordinárias para o nosso bem e para o bem do nosso próximo. 

Contudo, fuja das muitas curiosidades espalhadas pelo mundo. Em qualquer área da vida, procure andar com prudência, respeito e nunca queira o que não te pertence, pois, "tem coisas que o melhor é não saber”. E como é bom a gente não saber de certas coisas!

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Comentários

  1. Magnífico texto, digo de ser lido, relido, analisado e compartilhado. Parabéns ao pastor e jornalista Célio Barcelos.

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  2. Perfeito e sábio nas palavras. Feliz Sábado Pastor.

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