Zé Farofa - O louco que chorava e que rezava

 


Por Célio Barcellos

Desde que me entendo por gente perambulava pelas ruas de Conceição da Barra, cidadezinha bucólica do litoral norte capixaba, um homem “louco” chamado Zé Farofa, que faleceu recentemente.

Com um embornal a tiracolo andava descalço, de bermuda e tragava o seu cachimbo, que exalava um cheiro desagradável. Zé Farofa causava medo em meio às reações de sua esquizofrenia (não tenho certeza se esse era o seu problema. Mas me permita o uso do termo). 

Quantas crianças tinham pavor só em ouvir falar o nome dele? Certamente, algumas até chegaram a quase tirarem o coração pela boca após uma carreira do Zé Farofa. Eu não recebi carreira do Zé Farofa, mas da Deomira em Itaúnas, sim. Qualquer tempo desses, escreverei sobre ela. Porém, hoje, é sobre o Zé Farofa. 

Confesso que eu tinha receio de me aproximar do Zé Farofa! E havia razões para isso, pois certa feita, por volta dos meus 16 anos de idade, por ocasião em que trabalhei na Casa Lotérica decidi atravessar a rua para ir até a Banca comprar uma literatura e tomei a iniciativa em cumprimenta-lo, uma vez que ele ficava sempre na rodoviária próximo à Banca e aos taxistas. Eu disse: “Bom dia Zé”! Ele resmungou de forma ríspida não muito gentil e começou a me xingar. 
Imagem: PMCB

Na verdade, eu só queria me aproximar e tentar desenvolver um certo grau de amizade, mas, por sua resposta não tanto elegante, entendi que o melhor era respeitá-lo à distância. 

Infelizmente, pessoas zombavam dele chamando-o de Zé Farofa com um certo ar pejorativo, causando-lhe bullying e isto o deixava furioso a ponto dele pegar pedras, paus, instrumentos cortantes e sem nenhum critério disparar em direção aos seus algozes. 

Apesar do Zé Farofa ter o direito de ir e vir como qualquer outro ser humano, havia sim, um enorme risco de convivência mesmo sem os seus infelizes provocadores. 

Certa feita, do nada, o Zé Farofa desferiu uma facada na mãe da Zizi da Farmácia, uma senhora bem idosa que ainda trabalhava no balcão daquele estabelecimento. A sorte que a faca acertou o braço. Porém, feriu a pobre velhinha, que por sinal era muito simpática. 

Entretanto, havia um outro lado do Zé Farofa humano que talvez poucos se lembrem ou talvez não tenham prestado a atenção. Ele tratava muito bem duas pessoas na cidade. Pelo menos são as que tenho conhecimento, pois presenciei algumas vezes. São elas: Amintas Velo Silvares e Hilton dos Santos (vulgo Budézinho, dono de tradicional Barbearia na cidade).
Imagem Google Earth: A casa da esquina pertencia ao sr. Amintas

O Amintas era de família rica, mas de coração generoso. Além de dar atenção ao Zé Farofa, a ponto de recebê-lo em sua casa para uma prosa e refeição (muitas vezes eu passava na calçado, pois eu morava na mesma Rua Graciano Neves e lá estava o Zé assentado à porta do Amintas), também auxiliou nos estudos da filha da empregada doméstica que atualmente é médica no município. 

Que enorme contribuição para a cidade deixou o Amintas! Tratou a empregada como alguém da família e a filha da empregada, que neste momento, pode não só estar atendendo os moradores do município, bem como auxiliando no tratamento de algum herdeiro do Amintas. Você já parou para pensar nisso? Investir na educação de alguém, pode no amanhã, sem que você menos espere, ser beneficiado por essa pessoa à qual você auxiliou. É a lei do retorno. 

Quanto ao Budézinho, ele sempre aparou a barba e cabelo do Zé Farofa. Além de alimentá-lo, prover os remédios controlados e também ser o responsável por sua aposentadoria. O Zé Farofa tinha respeito por esses dois senhores.

O Budézinho, graças a Deus ainda é vivo e sempre que retorno a Conceição da Barra, passo na Capitão Antero Faria para cumprimenta-lo. Já está velhinho, mas ainda continua atuando e dando uma força para o herdeiro da Barbearia, o seu filho Aglailton. 
Imagem:PMCB - o quinto imóvel verde à esquerda é a Barbearia do Budé

No que se refere ao Amintas, ele já faleceu há algum tempo e no período do ocorrido eu ainda morava em Conceição da Barra. Pude presenciar os soluços de desespero do Zé Farofa pela perda do amigo. 

A minha posição é contrária à decisão do Estado em deixar pessoas como o Zé Farofa à deriva. Entendo que todo ser humano, independente de sua condição merece atenção. Porém, não é agradável para ninguém ter pessoas vivendo nas ruas à margem da razoabilidade humana. 

Eu não sei as razões que levaram o Zé Farofa para as ruas, mas não deve ser nada fácil para uma família que tenha alguém esquizofrênica mante-lo e cuidar dele normalmente. Se não me falhe a memória, o Zé Farofa é natural do Riacho Doce. Quando de minha infância em Itaúnas, era o local que chamávamos de Norte. 

O saudoso escritor Ferreira Goulart antes de sua morte relatou em uma entrevista o drama de ter alguém esquizofrênico em casa. Ele tinha dois filhos nessa condição. Procure não julgar precipitadamente pessoas que estão na condição de cuidadoras de alguém num estado de loucura. Assista abaixo!

Particularmente, em determinado período do meu ministério eu presenciei uma situação horrível. Na verdade, havia alguém de minha comunidade religiosa me exigindo resolver uma situação totalmente desconhecida para mim. A pessoa queria que eu denunciasse a mãe por maus tratos no filho doente. 

Fui averiguar o problema e a situação era a seguinte: Era um casal, já na Terceira Idade, que tinha um filho esquizofrênico. Na verdade, aquele filho era um homem, um “brutamonte”. Sem forças para deter a violência do rapaz e depois de apanhar algumas vezes e se desviarem da violência do filho, aqueles pais decidiram acorrentar o rapaz. 

De fato, era uma situação desagradável, pois ver um ser humano acorrentado, gerou uma sensação estranha em meu ser. No entanto, a única coisa que julguei que poderia fazer era dar assistência pastoral à família. Como que eu iria denunciar um casal idoso que apanhava do filho fora da racionalidade humana? Como levar ao Estado se o Estado "lavou as mãos" quando fechou as portas de muitas instituições que cuidavam de forma profissional de situações como aquela?

Enquanto concluo esse texto sobre o Zé Farofa, já é madrugada e ouço uma discussão na rua entre um motobói que trabalhava para sustento de sua família e três rapazes drogados. Infelizmente, a maconha, que alguns insistem em querer liberar é uma das grandes causas de esquizofrenia em adolescentes e a porta de entrada para outras drogas mais pesadas e para o mundo do tráfico (ver entrevista com Dr. Valentim Gentil Filho)

Quem defende a liberação das drogas, se quer passou por experiência de pais que fazem de tudo para salvar um filho deste terrível vício ou jamais vivenciou alguém da família ter ficado esquizofrênico por causa dessa praga. 

Até sugiro a você descobrir o louco que há dentro de ti. O meu filho diz que de “louco todo mundo tem um pouco”. O problema é que o ser humano possui muitas loucuras fantasiadas pelas máscaras da hipocrisia. Leia o poema “O Louco” de Khalil Gibran e confira. 

Assim sendo, O Zé Farofa não ficou louco por sua vontade à semelhança de alguém que entra de forma consciente no mundo das drogas. Infelizmente, o vírus do pecado que corre no DNA de todos nós, o atingiu de forma mais cruel afetando a sua racionalidade. 

Contudo, mesmo o Zé Farofa em sua loucura ainda tinha lampejos de sobriedade a ponto de nutrir sentimentos bons para com aqueles que te auxiliaram e até mesmo o de chegar à porta da igreja durante a missa, se ajoelhar e dizer: “Jesus, eu sou o Zé, estou aqui”. (relatos de Isa Maria, uma senhora bem devota na cidade).

Estes fatos só me fazem ter a certeza de uma coisa: O evangelho da graça através da bondade, da compaixão e da misericórdia precisa alcançar a todos, incluindo os Zé Farofas que perambulam por aí, pois de acordo com a Palavra de Deus, até “os loucos encontrarão o caminho” (Isaias 35:8-10). 

Desta forma, procure amar as pessoas independente do quem elas sejam. Se porventura você achar que não é possível fazer isso, lembre-se do Amintas e do Budézinho. Eles são ótimos exemplos de que no exercício do bom cristianismo, até os loucos podem gostar da gente. 

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Comentários

  1. Todos temos o caminho livre para falar com Deus. Até os loucos....

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    1. Isso mesmo. Obrigado pela apreciação!

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