Conversando com uma artista

Exposição individual, Galeria de Artes Plásticas de Bauru 

Artista renomada concede entrevista para o Tempo de Oportunidade                                      

Por Célio Barcellos

A entrevistada de hoje é natural de Bauru/SP, moradora há 10 anos em Pirassununga/SP, viaja o mundo representando o Brasil com a sua arte, mas que atualmente passa um um período de descanso em Florianópolis/SC de onde concedeu a entrevista neste domingo (16/05), via Zoom, às 16:00. Ela é Lair Ana do Nascimento, doutora em artes pela USP e professora aposentada da UNESP-Bauru/SP. Com o pseudônimo de Lairana, é artista premiada internacionalmente, e foi muito simpática ao mostrar a sua sensibilidade artística nessa entrevista.

 

 

1. Lairana, muito obrigado por aceitar ao nosso convite e conceder essa entrevista. De início te pergunto: Como você está em relação à sua arte nesse contexto de pandemia e quais os seus planos tão logo volte a normalidade?

 

R: Primeiro, Célio, muito obrigada por essa oportunidade em conversar com você sobre a minha arte! Então, para mim não houve nada de anormalidade. Eu pintei regularmente como sempre faço. De forma online, eu tive contato com muitas pessoas e conheci muitas outras. Para mim, esse período de pandemia foi muito rico, no sentido de conhecer outras pessoas e  ver outras abordagens. Eu pintei bastante  tanto em Pirassununga quanto em Florianópolis. O que acontece! É triste ver o que está ocorrendo, mas temos a confiança de que tudo isso é algo que está nos mostrando para termos uma vida mais espiritual. É possível perceber na pandemia pessoas que estavam mais distantes de Deus e de uma hora para outra um pouco mais conectadas. E a arte é tudo isso. Devemos viver e perceber a luz divina sobre todos nós. Espero que as minhas pinturas nas casas das pessoas levem muita luz, alegria e sensibilidade. A missão do artista é essa.  Continuo a produzir minhas obras e expondo-as quando as oportunidades surgem (acesse para ver obras da autora).  

Pintura mural no Fórum de Pirassununga

2. A sua paixão pela arte vem de muito cedo. Aos 8 anos você já impressionava os seus professores e aos 14 iniciou o seu contato na Escola de Belas Artes em Bauru. Qual foi o ponto da virada que fez você disse: Esse é o caminho, vou seguir por ele?

 

R: Então… É surpreendente isso, né? Quando eu tinha 8 anos como você mencionou, eu já tinha essa percepção e certa vez escrevi uma redação e nela eu dizia que eu seria artista. Sabe Célio, Eu era muito pobre e não tinha pintura na parede. A minha arte era uma vocação, um talento. Eu não sei se eu tive um ponto que eu dissesse: esse é meu caminho. Eu já nasci nele, penso eu. 

 

3. Tem alguém em especial que foi fundamental nessa sua trajetória? Quem foi o seu mecenas? 

 

R: Sempre há alguém que incentiva. Eu sou caçula de uma turma de 6. Um dos meus irmãos mais velho, o Olívio Barreira, percebeu o meu talento e ficou sabendo da Escola de Belas Artes de Bauru. Ele me levou para fazer a matrícula e pagou o curso para mim. Então, eu tive sim, esse mecenas, meu irmão mais velho que me deu esse incentivo. É sempre bom estar atento à nossa volta e observar se tem algum artista precisando de apoio. Sempre tem um... (risos). Eu, felizmente tive esse meu irmão e também outras pessoas que surgiram na minha vida, nossa… Eu estou com 72 anos, né Célio. São muitos incentivos e colaboração. 

 


4.    Nos anos 80, você teve contato com a serigrafia. Foi uma paixão que precisava ser vivida ou foi uma necessidade para viver da arte?

 

R: Olha, muito interessante! Nunca alguém me perguntou isso, mas tenho uma história para contar. risos… Eu fui estudar em 1978 numa escola em São Paulo, a ASPER, que tinha professores que eram artistas internacionais de bienais. Regina Silveira, Júlio Plaza, pessoas da pesada do mundo da arte. Eu era do interior e me deparei com vários cursos no dia em que fui me matricular. Dentre os cursos estava o de serigrafia. Eu não tinha a mínima ideia do que era a serigrafia. Eu achei por intuição em saber o que era. Com orientação dos professores Regina Silveira e José Morais, desenvolvi um bom trabalho, produzindo cerca de 30 obras. A serigrafia não me deu dinheiro, mas me deu currículo. Eu fiz trabalhos conceituados. Há quase 10 dias, eu doei para a Secretaria de Cultura de Bauru, uma cópia de cada serigrafia que fiz. A Secretaria irá emoldurá-las. Particularmente, eles ficaram muito agradecidos com isso. Se Pirassununga tiver interesse, é um acervo cultural disponível para a cidade. Eu não podia ter uma tela do Salvador Dali, mas com algum esforço, eu poderia ter uma gravura do Salvador Dali. Então! Respondendo à sua pergunta, a serigrafia não me trouxe um retorno financeiro imediato. Ela trouxe glória que de uma certa forma transformou em retorno financeiro. 

 

5. Particularmente, eu tenho a oportunidade e o privilégio de ir à sua casa, que por sinal, sempre me recebe muito bem. Afinal, sou pai do seu afilhado na arte (Rsss).  Noto em seu ateliê a presença marcante da papoula em seus quadros. Como foi a descoberta por essa planta e que mensagem você quer transmitir com os detalhes e as cores? 

 

R: Então… Eu estava em um hotel em Cusco no Peru por ocasião de uma viagem a Machu Picchu. Eu fotografei uma flor que eu não conhecia. Depois de muito tempo dessa viagem e num momento em que eu recordava olhando fotos, a observei num vasinho. Eu nem sabia o que era e decidi estudar essa flor. Resumindo a história: Eu colhi sementes de papoulas de quatro continentes diferentes. Convidei um agrônomo para me dar umas dicas. Quando falo delas me emociona muito (uma pequena pausa… risos…). Eu estava em viagem à Europa visitando o castelo de Dunnottar, na Escócia. Esse castelo foi o cenário da gravação do filme Hamlet em 1990. Havia nesse local uma papoula rosa em meio às ruínas, bela, imponente. Ao olhar para ela, percebi que suas pétalas foram se soltando como que em uma magia. E cada pétala que se soltava eu fotografava. Então… coisas assim aconteceram em minha vida em relação a essa flor. Para te responder o que eu gosto na papoula:  A variedade de tamanho e lugares; tenho fascinação pelo formato das folhas, o movimento. Observe uma papoula ao vento e perceberá que a cada segundo ela se transforma. Tudo isso para mim é vida é movimento, é uma inspiração muito forte para mim. Quero transmitir o belo, um descanso, um relaxamento. Quanto a arte é preciso ser autêntica. Digo autêntica quando não é cópia, mas quando a arte vem da alma, isso traz alegria, sensibilidade. Tanto para mim que produz, quanto para o leitor da obra. 

 


6.    Antes da pandemia, você viajou para os Estados Unidos, países da Europa e América Central para expor sua arte. Qual foi a sensação dessa experiência em relação às anteriores e qual o sentimento de uma artista brasileira premiada internacionalmente? 

 

R: Na minha experiência de vida enquanto artista, lembro-me muito bem do dia em que o secretário de cultura de Bauru foi à minha casa relatar do prêmio estadual que ganhei. Quase quebrei a cama de tanta alegria. Cada prêmio que recebo, o tenho na mesma alegria quando da primeira vez. No que se refere a experiência internacional, é muito envolvente ver pessoas elogiar a arte. É sempre muito bom ver pessoas curtir o seu trabalho. Me considero uma cidadã do mundo. 

 

Com Greg Trujillo, Exposição em Taos, NM:USA

7. Você tem saudades da sala de aula? Afinal, foram décadas lecionando. Se você recebesse um convite para voltar a dar aulas, aceitaria ou seguiria somente com a arte?

 

R: Eu adoraria voltar para a sala de aula, pois sempre foi uma das minhas paixões. Infelizmente, a cultura ocidental não valoriza muito a idade das pessoas. Já tem muito tempo que sai da sala de aula e nunca mais retornei. Amo demais! No entanto, a minha vida de viagens pelo mundo me impede de fazer isso. Dar aulas é minha paixão e eu sempre conduzi os meus alunos a diferentes ambientes. Eu voltaria. Mas, na atual conjuntura eu não faria, pois eu seria uma professora irresponsável. Não tem como conciliar viagens e ensino. Os alunos seriam muito prejudicados. 

 


 

8.         Se a artista Lairana pudesse voltar no tempo e viajar até a cidade de Bauru, quais os  conselhos que ela daria para a pequena Lair Ana do Nascimento?

 

R: Ai, aquela menininha tão linda e inocente, que paixão! (Risos) Há 33 anos uso esse nome artístico de Lairana e diria o seguinte para a pequena e sonhadora Lair Ana de apenas 8 anos: Eu te desejo sorte para encontrar pessoas que te dê oportunidades para apresentar o seu trabalho; que você confie sempre na sua inspiração e não no que os outros pensem que é melhor para você. Se você gosta de pintar uma rosa, pinte uma rosa; se você gosta de pintar um fungo (cogumelo), pinte um fungo; porque é a sua sensibilidade, pinte o que a sensibilidade te diz. Já para a adolescente Lair Ana de 14 anos, eu diria: cuidado com o ego! Você pode se tornar famosa. Você pode ter muito sucesso mas não deixe que o ego te dominar. Tenha sempre compaixão. Nem sempre as pessoas irão entender a sua arte; nem sempre vão aceitar a sua arte; mas eu te digo tudo isso: Siga o seu coração.  É isso que eu diria. 

Comentários

  1. Entrevista muito bem feita.
    Nunca tinha lido um entrevista com uma artista desse nicho.
    Aprendi muito .
    Fazer o que gosta , independente do que as pessoas vão achar ou valorizar

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    1. Valeu grande Robson! Obrigado pela apreciação. A arte realmente é algo que nos comove.

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